correspondencias

---Brasilia / Roma

Bolsonaro é acusado de crimes contra a humanidade por sua gestão da pandemia, que no Brasil deixou 606 mil mortos até o momento, o maior balanço no mundo depois dos EUA. A comissão parlamentar de inquérito aprovou o relatório final que registra - além dos crimes contra a humanidade – outros possíveis graves crimes:

_descumprimento das medidas sanitárias preventivas
_charlatanismo
_incitação ao crime
_epidemia com resultados fatais
_falsificação de documentos
_uso irregular de dinheiro público
_prevaricação
_Incompatibilidade com a dignidade, honra e decoro do cargo

No mesmo dia, Bolsonaro defendeu o jogador de vôlei Mauricio Souza, demitido do seu time devido a um post homofóbico, em que ironizava: “Hoje em dia tudo é homofobia, tudo é feminismo”

°à tarde_ Na Itália, o Senado embarga, com votos secretos, o projeto de lei chamado Zan, que reconhecia como crime atos de LGBTQIfobia. No instante em que é anunciada a votação, a centro-direita aplaude e comemora entre as cadeiras.

 

---Roma / Berlim / Sao Paulo / Belém

°18h (hora italiana) chamada skype com Rachel e Berna. Vemos o trabalho de Berna, adoramos. Falamos em italiano. Falamos da cidade, da cidade como cenário. Se estivesse na Itália – Berna se pergunta – onde colocaria o cartaz? Talvez em Florença, perto do David de Michelangelo, eu com o meu corpo – “peitos e culhões” – em relação àquele que por muito tempo foi considerado o corpo perfeito. Já em Belém: talvez tivesse sentido afixá-lo no Mercado Ver-o-Peso, o maior e mais cheio da cidade, onde transitam os corpos quase nus dos trabalhadores. Me interessa – diz Berna – a possibilidade de uma conexão com pessoas que nunca estiveram em uma galeria de arte; ou, ao invés disso, pessoas que sempre frequentaram galerias, como no caso de Florença. Conexões com corpos diversos.

---Hong Kong / Turim / Bolonha / Roma

°11:30 (hora na Itália) chamada skype. Falamos do projeto, como agir, como transmitir nossa presença mesmo à distância, como modulá-la de acordo com cada diverso contexto. Como aproximar comunidades e coletividades ao redor da ação. Uma questão importante: a tradução. Gostaríamos que aos poucos o site fosse traduzido em todas as línguas faladas peles participantes – italiano, português, chinês, além do inglês. Passar por várias línguas sem fixar uma principal como referência. É um posicionamento político e também poético. Nenhuma língua universal.

 

Sobre o cartaz arrancado em Roma, Kee Hong diz: é um gesto de violência, mas ao mesmo tempo é sinal de que o diálogo está acontecendo.

 

°11h:53  –––Roma, Ponte di Testaccio

 

---Roma, Short Theatre

Inauguração. So It Is #Roma e Reclaim your future. Lola Kola toca e às vezes canta – veste um lindo e brilhante vestido azul de paetês colado ao corpo. Sentimos a força de estar ali, com nossos corpos. Das relações que se conectam e se unem; algumas de muito tempo atrás.

––-Roma, Short Theatre

Vindes de Bolonha, chega toda a equipe de CHEAP com o cartaz impresso – que será colado por elas, estão em Roma para preparar a instalação sob a marquise da Pelanda, RECLAIM YOUR FUTURE. Revestem as paredes da marquise com o dourado dos cobertores isotérmicos de primeiros-socorros. Metros e metros quadrados de brilho. Na véspera, conversaram com as|os habitantes do local: fora dos dias do festival, sob a marquise, dormem famílias em situação de rua, inclusive crianças. Acima, tremulam bandeiras criadas por artistes, a partir de seus desejos e reivindicações. Nos encontramos de manhã, na hora do café, para ver os cartazes e fazer uma visita técnica. Está ensolarado e faz muito calor. Abrimos o cartaz e o estendemos no chão: é lindo. Eli começa a refilar com o estilete – deixamos um pequeno contorno branco para que se destaque da parede. Ela trabalha à mão livre, com um traço preciso de especialista.

Preparamos a cola, decidimos afixá-lo imediatamente: melhor de dia, com o sol, para que pareça uma coisa normal. Estamos ali Eli, Flavia, Sonia, Piersandra, Paola e nós duas. Baldes, escada e vassouras. Sob o sol, rimos.

---Sao Paulo

e-mail da Rachel:

queridíssimas Ile e Sil, Paola,

pensei muito no projeto de vocês estou convicta de propor a artista Berna Reale, vou mandar alguns links. Além de artista visual, é também uma perita criminal de profissão, seu trabalho sobre a violência e o corpo feminino é muito forte. Já expôs em muitos países, inclusive na Bienal de Veneza e, mais recentemente, no PAC de Milão. Vou anexar algumas imagens aqui. Ela não mora em São Paulo, é da região amazônica (Pará), não a conheço pessoalmente, mas temos uma grande amiga em comum, acho que seria tranquilo contatá-la e ter uma resposta em breve.

Fiquei pensando que, mesmo vocês tendo pensado em São Paulo como ponto de referência, sinto que a cidade está não só enfraquecida mas também refém da ideia de ser o centro do pais, econômico, criativo, o que também é um tipo de arrogância inútil neste momento. Porque o centro está mais do que nunca imóvel, enquanto as periferias se movimentam. As questões que dizem respeito à natureza, ao meio ambiente, às populações excluídas do|pelo sistema capitalista de exploração (porque eliminadas, ao viver abaixo da faixa de pobreza, ou por escolha, como no caso dos povos originários), às mulheres, às pessoas negras, às pessoas corpo-neuro-diversas, são os cacos restantes de um mesmo espelho quebrado, deste país (Brasil) e dos símbolos que representam a sua imagem.

Vou dar um tempo para que leiam essas palavras escritas no fluxo, mas vindas de ideias que chegaram desde que nos falamos e entre os tantos acontecimentos, aguardo notícias com um abraço forte, forte, forte.... Rachel"

---Fabriano (residência artística Cia Motus) | Roma

Continuamos a refletir sobre a questão do muro – se é o caso de afixar o cartaz em um muro qualquer sem permissão ou alugar um espaço publicitário.

12h23: Piersandra nos escreve dizendo que verificaram as medidas do cartaz e não será possível utilizar os espaços próprios da prefeitura. Então será um muro qualquer. Queríamos um espaço que não estivesse imediatamente conectado ao festival, assim excluímos a entrada principal da Pelanda. Um lugar mais selvagem, de passagem, anômalo. Escolhemos – todas juntas – a entrada oposta, que se abre à Ponte Testaccio. É a entrada da universidade, faculdade de arquitetura da RomaTre, e o bar Tevere é um ponto de encontro des estudantes.

Passando, de noite, de carro, a parede iluminada pelos postes de luz se move como se fosse um longo cortejo.

––– Roma, no bonde n. 5 | Bolonha (?)

Praça de Porta Maggiore. Telefonema de Silvia com Valla: as pernas do cavalo de Lola não ficaram boas. É preciso encontrar uma alternativa, se a qualidade de resolução der conta. Há meses não usávamos o transporte público. O bonde está cheio, mas viável – como sempre, nas linhas 5 e 14 que levam da zona leste do bairro Prenestina ao centro, a população é diversificada, mestiça. Principalmente à noite, o transporte fica lotado, sobretudo imigrantes voltando do trabalho, cansadíssimos, misturados aos habitantes nativos dos bairros de Prenestino, Collatino, Centocelle.

––– Hong Kong

Um jovem de 24 anos foi condenado por incitação à desordem e terrorismo por ter participado de uma manifestação no dia 1º. de julho na cidade. Foi a primeira condenação após a entrada em vigor da lei de segurança nacional imposta por Pequim.

––-Roma / Salzburgo

Falamos com Piersandra por áudio: está em Salzburgo, nesta noite tem a estreia de Don Giovanni. Propõe que nos encontremos em Roma, quarta ou quinta-feira. Fala de ideias que gostaria de nos contar: uma colagem noturna ou talvez uma ação mais visível nos muros.